sábado, 15 de março de 2014

Pontével A ler+

Dia 17 de Março, pelas 9.45h: Proposta de leitura e reflexão em sala de aula sobre um texto alusivo ao tema “ A minha pátria é a língua Portuguesa!”


Pretende-se que à mesma hora e em todas as Escolas do Agrupamento D. sancho I de Pontével, crianças e adultos se dediquem à fruição do prazer da leitura, assinalando-se também de forma simbólica o início da 8.ª Edição da Semana Nacional de Leitura.

Solicitamos por conseguinte a todos os Professores e Educadores que dediquem este período à leitura e reflexão em sala de aula sobre a importância da língua Portuguesa e da leitura a partir de uma leitura de um texto que considerem pertinente.

A Biblioteca Escolar, em articulação com o Departamento de Línguas, apresenta ainda as seguintes sugestões de leitura:

Pré-escolar: 


Gosto do Jardim-de-Infância

Gosto do Jardim-de-Infância
Porque cá posso brincar
Fazer lindas construções
Depois tudo desmanchar.
Ouvir histórias e canções
Depois ser eu a contar…
Correr, saltar e jogar
Conversar e partilhar…
Gosto do Jardim-de-Infância
Porque cá posso pintar
Das cores que me apetecer
Posso cortar e colar
Fazer prendas para oferecer
Dar passeios, fazer rodas
E dançar até querer!
Ensaiar quando há festas
Para tudo correr bem…
Nesse dia sou artista
Para o pai e para a mãe…
Gosto do Jardim-de-Infância…
É difícil de entender?
Tenho cá os meus amigos,
Muitas coisas para fazer!

CUSTÓDIO, Lourdes, "No Jardim de infância", Ambar, Colecção giroflé








1.º Ciclo:

Esta Língua Portuguesa 

de José Jorge Letria


A língua que falas e escreves
é uma árvore de sons
que tem nos ramos as letras,
nas folhas os acentos
e nos frutos o sentido
de cada coisa que dizes.

É uma língua tão antiga
como isto de ser Português.
Teve o latim por avô,
que primeiro foi romano,
depois bárbaro,
mais tarde medieval
ou copista do Renascimento.

A língua cresceu como o país,
que se alongou até ao sul
e depois chegou às ilhas,
vencendo os tormentos do mar.
O país ganhou a forma
de uma língua de terra
capaz de usar palavras
como “lonjura” e “saudade”.
(…)
A árvore desta língua
tem nos ramos o segredo
dos mistérios mais antigos
e também os frutos doces
da ternura sussurrada
ao ouvido de quem chega
para nunca mais partir,
tamanhas são as saudades
da terra lhe ficaram.

É uma língua bela e doce
com mãos cheias de sinónimos
e grinaldas de metáforas,
capaz de encher de ouro
a arca dos poetas
até ao fim dos tempos,
que o tempo desta fala
não prescreve nem acaba
com a sede de ser eterno
sem deixar de ser moderno.
(…)
A árvore desta língua
merece o mais belo jardim
que alguém lhe possa dar,
pois já foi a casa-mãe
de Bocage e de Pessoa,
de Cesário e de Alexandre O’ Neill,
língua feita pátria
de um povo que não pode
manchar com erros a fonte
da fala com que se escreve,
da língua com que se diz.
Esta é a língua dos meninos
que brincam com as palavras
e fazem delas brinquedos
para alegrarem o recreio
 das histórias mais bonitas
que alguém pode contar.
(…)
A árvore desta língua
tem substantivos e pronomes,
adjectivos e verbos,
vocativos e conjuntivos
e outras coisas mais,
arca de um velho tesouro
que todos temos guardado
para não deixarmos morrer
a grandeza do que somos
e que só há-de acabar,
voltando à cadência da rima,
quando Portugal se calar.
(…)
Esta é a árvore de tudo
o que se diz em Português
por não precisar de ser dito
em alemão ou em inglês,
pois temos orgulho bastante
para fazermos da nossa língua,
que já foi peregrina e navegante,
a pedra mais preciosa,
seja em verso seja em prosa.

E o orgulho que temos
nesta língua portuguesa,
irá do berço para a escola
e da escola para a rua,
pondo em cada palavra,
uma pepita de ouro
e uma centelha de lua,
pois afinal esta língua
será sempre minha e tua. 

2.º Ciclo: 

Cada árvore é um ser para ser em nós

Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada.
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses


                                                                                                  António Ramos Rosa

As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.


Jorge Sousa Braga


Num Exemplar das Geórgicas

Os Livros. A sua cálida,
Terna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.

Eugénio de Andrade


3.º Ciclo:


Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.

Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio...» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

         In Livro do Desassossego por Bernardo Soares








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